segunda-feira, 30 de abril de 2012

Preciso do grito 
mas não posso gritar.
Preciso, necessito do grito
porém o grito fere os ouvidos
de todos os que não querem gritar.
Dependo do barulho libertador do grito.
No grito o silêncio é rompido.
A vida se exalta no barulho
simples, duro e espontâneo
que espanta para longe
a dor, o horror, o medo, o tédio.
Mas não posso gritar.
O grito incomoda vizinhos
assusta crianças e bichinhos
cães, gatos e passarinhos
e tudo o mais que rimar com inho.
Grito rima com ão
com a explosão de um vulcão
calado, contido
reprimido de sua intensidade
como se fosse qualquer outra rocha
outra montanha sem vida.
Mas o vulcão não é.
Um dia o vulcão grita
e grita num maravilhoso estrondo de liberdade.
Mas eu não posso gritar.
Permaneço calado, frio e duro por fora
como aquela rocha morta.
Minha alma inquieta, apressada
em intensa ebulição, permanece
desejando, almejando o grito amigo
que virá sem dúvida, trazendo o alívio.
Mas eu, eu não posso gritar.
Se eu gritasse seria mais leve
minha alma mais límpida
e minha mente ficaria livre
completamente livre dos anseios
dos temores e dos rumores.
Mas não, não posso gritar.
Todos me tomariam por louco
(quando loucura é não poder gritar)
e a sanidade é o pouco que me resta. 
Embora ora não pareça
tenho meus bons momentos de lucidez.
Nos demais, continuo com vontade de gritar.

                                                   dez/12

Jailton Matos


sábado, 28 de abril de 2012

A vida começa nos jardins
e no princípio tudo é muito
mais belo e colorido entre flores.
A rosa cravada em espinhos –
há nela a essência e o perfume
das mais surpreendentes emoções –
síntese de delicadeza e perfeição
in un perfetto paradiso
te empresta beleza e charme
e é agora simples graça
e sedução, gentilmente
presa em teu vestido.
Em ilusões criadas
à partir de fragrâncias
é neles que me perco completo
em teus braços e beijos de
rebelde fiore e selvagem
e adormeço ainda entorpecido
pela mesma menina fria
“bella come la luna piena,
pura come il fulgido sole”*
e sempre acordo depois
com o gélido orvalho sobre mim
resfriando e aumentando a dor
di amore immaturo e possessivo
e me levando aonde é mais forte
mia amata solitudine.
Então me vejo correndo
fugindo de ti e de mim
estupidamente veloz e aleatório
em campos e colinas floridas
ou imóvel e depressivo
enraizado junto ao chão
como uma orquídea maldita
num jardim de Burle Marx.

A vida começa nos jardins
e às vezes termina neles.

19/10/96 0:37
Cântico de Salomão 6:10

Jailton Matos

sexta-feira, 27 de abril de 2012


O Ruído

O ruído
Som sem sentido
Destrói de passagem
A mensagem pensada.

O ruído
Teme o gemido
Geme o sentido
Perturba, conturba.

O ruído
Contrai as idéias
Distrai as platéias
Desvia o sentido.

O ruído
Roda incomoda
Agita irrita
O sentido perdido.

O ruído
É alarido estampido
Barulho puro
Duro em pancadas

Frases mal traçadas
Sem aparência lógica
De conveniência ecológica
E demência declarada

No objetivo furtivo
De apenas penar
A concentração quebrada
Pelo próprio ruído.

O ruído
Convém convencido
Contar peripécias
Sustendo inépcias.

O ruído
Não mais ouvido
Dança cansa cala-se
Vencido pelo sentido.
                     30/08/95

Jailton Matos

quinta-feira, 26 de abril de 2012


O Som Perfeito

O som perfeito
é a palavra ideal
apta do instante preciso.
O som perfeito
é dor e amor
exprime e reprime
encanta e espanta
declara e cala.
O som perfeito
é feito completo
no mais silencioso
e íntimo gemido.
                          09/06/95


Jailton Matos
A Visão


Eu vi uma menina
Dessas que parecem mesmo
Uma boneca de louça

E ela tinha movimentos
Sorrisos, gestos, vida
Na dança da inocência.

Eu vi bebês ingênuos
Traquinando com monossílabos
E fazendo poesia no olhar

Para mamães de areia
Que se derretiam ao calor
De raios trêmulos de sol.

Eu vi crianças jogando
Esconde-esconde nas nuvens,
Pequenos perdidos de Peter

Voando sem perlimpinpin
Viajando em quimeras
E panteras do tempo.

Eu vi a filarmônica angélica
Pairando beleza translúcida
Executando com estilo único

A sinfonia do amanhecer
Proibida, em tom divino,
A nossos ouvidos terrenos.

Eu vi um bale clássico:
Querubins e serafins dançando
Sobre notas de cristal.

Eu vi anjos em queda livre
E um menino travesso
A derrubá-los com pedras de bodoque.
                                                21/09/95

Jailton Matos

domingo, 22 de abril de 2012


Sobre as Nuvens


Aqui em cima
onde o céu se confunde ao mar
(alquimia de nossa imaginação)
entre a densa neblina de paz
e o tempo parece não existir
ou não se incomodar em correr
o perigo é ainda mais fascinante
e a palavra liberdade e sua
possibilidade, parecem assumir
novas dimensões, novo significado
como se fossem totais e infindáveis.

Aqui em cima
quando o coração olha o horizonte
enxerga nele quem muito se ama
a saudade vem muda e certa
e desejamos levar um pedacinho de nuvem
para quem está longe
como presente de lembrança
mas é tão difícil descer para alcançá-las.

Aqui em cima
somos todos mais puros
e os homens são como os anjos:
vivem num céu de brinquedo e mistério
a contemplar belezas inimagináveis.*

05/01/97 02:05
Campos do Jordão

Jailton Matos

sábado, 21 de abril de 2012


O ponto.
A vida
a arte
o grito
o gol
a luz
o escuro
o verde
a pedra
a selva
o mármore
a guerra
a fé
a noite
o sonho
o engano
a verdade
o barco
a vela
a chama
o ontem
o presente
o porvir
a casca
a alma
o relógio
os sapatos
o celular
o óbvio
o subliminar
a história
a laranja
o sangue
o espaço
a palavra
a dor
o amor
o fôlego
o êxtase
a morte
o ponto
·
Pronto.

2005

sexta-feira, 13 de abril de 2012


Sou uma alma atormentada
cansada destas guerras vãs
contra tudo, contra todos
(das quais sempre saio perdedor)
nas quais sempre tenho muitas perdas
a maior delas, a do caráter.
Sou uma alma atormentada
fatigada por tantas desilusões
por nunca conseguir discernir
o real e o imaginário na vida
nos sonhos, nos corações e mentes.
Sou uma alma atormentada
(às vezes sou o mais feliz dos homens
e isto se deve à minha pequenina
estrela de brilho intenso
que clareia e traz cor
a este meu mundo acinzentado
mas quase que por todo o tempo
sou mesmo uma alma atormentada)
e não consigo reter comigo a felicidade
por mais do que alguns minutos
(ainda que eu muito me esforce
ela insiste escapar de meu alcance
como uma criança pirracenta).
Sou uma alma atormentada
oprimida por anseios e deveres
estigmatizada pela superestima
perseguida incansavelmente por cobranças
acusada, julgada, condenada
castigada por ser apenas humana.

06/11/05

quinta-feira, 12 de abril de 2012


A tinta escorre da caneta
Como sangue de um corpo ferido
Ou lágrimas que rolam ao acaso.
O papel insiste em sorvê-los
A tinta, o sangue e as lágrimas
E com eles sorve também
lentamente minha vida.
O resultado não são sentimentos de Shakespeare,
Apenas palavras confusas
Frases mal-traçadas
Sem aparente sentido ou lógica.
Meus lábios, secos, há muito
Já não conhecem outros.
Há muito o gosto amargo
da solidão permanece
inerte em minha boca.
Fujo desesperadamente da realidade
Como o homem foge da morte.
Não há nenhuma fuga,
Os fantasmas da consciência
Me perseguem e alcançam
E sofríveis memórias retrovisuais
Me tomam de assalto.
Concluo que neste mundo
Que perdeu toda a lucidez
(os poetas nunca a tiveram)
a única saída é retornar
ao papel, à caneta, e permitir
que dela continuem a escorrer
as gotas de minha vida
e suas palavras confusas
me façam entender
esta inexplicável vontade
de viver.
                                            18/08/95


O Livro e a América

Talhado para as grandezas, 
Pra crescer, criar, subir, 
O Novo Mundo nos músculos 
Sente a seiva do porvir. 
— Estatuário de colossos — 
Cansado doutros esboços 
Disse um dia Jeová: 
"Vai, Colombo, abre a cortina 
"Da minha eterna oficina... 
"Tira a América de lá".

Molhado inda do dilúvio, 
Qual Tritão descomunal, 
O continente desperta 
No concerto universal. 
Dos oceanos em tropa 
Um — traz-lhe as artes da Europa, 
Outro — as bagas de Ceilão... 
E os Andes petrificados, 
Como braços levantados, 
Lhe apontam para a amplidão.

Olhando em torno então brada: 
"Tudo marcha!... Ó grande Deus! 
As cataratas — pra terra, 
As estrelas — para os céus 
Lá, do pólo sobre as plagas, 
O seu rebanho de vagas 
Vai o mar apascentar... 
Eu quero marchar com os ventos, 
Com os mundos... co'os 
firmamentos!!!" 
E Deus responde — "Marchar!" 
 
"Marchar! ... Mas como?...  Da Grécia 
Nos dóricos Partenons 
A mil deuses levantando 
Mil marmóreos Panteon?... 
Marchar co'a espada de Roma 
— Leoa de ruiva coma 
De presa enorme no chão, 
Saciando o ódio profundo. . . 
— Com as garras nas mãos do mundo,

— Com os dentes no coração?... 
"Marchar!... Mas como a Alemanha 
Na tirania feudal, 
Levantando uma montanha 
Em cada uma catedral?... 
Não!... Nem templos feitos de ossos, 
Nem gládios a cavar fossos 
São degraus do progredir... 
Lá brada César morrendo: 
"No pugilato tremendo 
"Quem sempre vence é o porvir!"

Filhos do sec’lo das luzes! 
Filhos da Grande nação! 
Quando ante Deus vos mostrardes, 
Tereis um livro na mão: 
O livro — esse audaz guerreiro 
Que conquista o mundo inteiro 
Sem nunca ter Waterloo... 
Eólo de pensamentos, 
Que abrira a gruta dos ventos 
Donde a Igualdade voou...

Por uma fatalidade 
Dessas que descem de além, 
O sec'lo, que viu Colombo, 
Viu Guttenberg também. 
Quando no tosco estaleiro 
Da Alemanha o velho obreiro 
A ave da imprensa gerou... 
O Genovês salta os mares... 
Busca um ninho entre os palmares 
E a pátria da imprensa achou...

Por isso na impaciência 
Desta sede de saber, 
Como as aves do deserto 
As almas buscam beber... 
Oh! Bendito o que semeia 
Livros... livros à mão cheia... 
E manda o povo pensar! 
O livro caindo n'alma 
É germe — que faz a palma, 
É chuva — que faz o mar.

Vós, que o templo das idéias 
Largo — abris às multidões, 
Pra o batismo luminoso 
Das grandes revoluções, 
Agora que o trem de ferro 
Acorda o tigre no cerro 
E espanta os caboclos nus, 
Fazei desse "rei dos ventos" 
— Ginete dos pensamentos, 
— Arauto da grande luz! ...

Bravo! a quem salva o futuro 
Fecundando a multidão! ... 
Num poema amortalhada 
Nunca morre uma nação. 
Como Goethe moribundo 
Brada "Luz!" o Novo Mundo 
Num brado de Briaréu... 
Luz! pois, no vale e na serra... 
Que, se a luz rola na terra, 
Deus colhe gênios no céu!...
                                                               
Castro Alves 

terça-feira, 10 de abril de 2012

A Nova Seção

Solicito desesperadamente aos jornais
deste incógnito país que estudem
a criação de uma nova seção nos tão
bem-requeridos classificados em que
possam ser publicados anúncios
de teor tal qual este meu,
que já seria o primeiro:

PRECISA-SE URGENTEMENTE DE AMIGO.
Precisa-se de amigo que atenda
estas importantíssimas exigências:
que seja leal, legal e sincero.
Que não minta, mas de caráter verdadeiro.

Precisa-se de amigo que seja parceiro
em momentos felizes bem como infelizes,
que compartilhe as glórias e a vergonha,
as crenças, os sonhos, os ideais,
as confidências, as esperanças, as dores.

Precisa-se, procura-se um amigo
que não traia, que não mude, que jamais
fuja de suas responsabilidades de amigo.
Amigo que não seja falso, que não
se compre como os do disks e teles.

Procura-se, precisa-se de amigo
que se não souber dar palavras,
dê o gesto, o sorriso, a presença.
É condição sine qua non
que nunca decepcione profundamente.

Amigo que saiba respeitar a quietude
e a privacidade de nosso silêncio.
Que nos dê o valor que lhe damos,
que nos ame com a mesma intensidade
e lucidez que é amado por nós.

Enfim, fraterno amigo que se apegue
religiosamente ‘mais que um irmão’*,
que esteja sempre e sempre disposto
aos sofríveis sacrifícios da amizade
e que o faça de bom grado.

Solicito gentilmente ao amigo que venha
e aos diretores e redatores-chefes
que levem a sério este meu pedido
e criem o dito espaço que atenderá
nossa necessidade de fugir dos mais
terríveis sentimentos, como a solidão.
                                              24/07/95
*        Provérbios 18 : 24


Amanhã

No futuro haverá almas 
belas, puras e intactas
escapando entre ruínas
do magnífico apocalipse.

No futuro haverá trabalho
livre da selva capitalista
ou do inferno vermelho
tornando escombros em jardins.

No futuro haverá mortos
ressurgindo das trevas
e do frio esquecimento
aprendendo a eternidade.

Haverá, no futuro, a síntese
realizada dos nossos sonhos
e a outorgada perfeição
perdida fará dos homens
criaturas de amor e tempo.
02/10/97 13:53



Espectro e luz
raio de lua, luar
bruma nua
pantera do tempo
do vento
pequenina biruta
diminuta aurora
perdendo-se sempre
rumo ao entardecer.
Subjetiva visão
olhar penetrando
congelando teto e chão
riscando em fogo
condoído, impetuoso
céu rubro e cinza
tornando mais notável
silenciosa solidão.
?/09/96


segunda-feira, 9 de abril de 2012


Há Coisas

Há coisas sobre mim
que nem eu mesmo sei.
Por exemplo, sempre pareço
mais feliz e satisfeito
quando estou sofrendo.
Há coisas sobre mim
que ninguém sabe
e se soubessem me entenderiam
talvez, ou talvez nunca.
Há coisas sobre mim
que só você sabe
e bem por isto
já faz parte de mim.
Há sobre mim coisas
que não controlo
nem posso controlar
nem controlaria se pudesse.
Há em mim um pouco
da essência de todos os metais.
Há em mim este insustentável
orgulho, intrínseco aos mortais.
Há em mim o fascínio
pelo tempo e seus efeitos
e pela tirania e fatalidade
com que governa nossas vidas.
Há em mim a ardente
paixão terrena que me escraviza
e marca a ferro em brasa
de sua propriedade.
Há em mim a coragem
e o destemor para a luta.
Há em mim o medo
e isto é o que mais me assusta.
17/09/96 0:00

della Rosa


CONCENTRAÇÃO

Voar e divagar
acelerado ou devagar
nunca levou ninguém
a nenhum lugar.
Há que se fincar
pés e alma também
e só em um afixar
concentrado esforçar.
Nada deve distrair
do domínio duro e atroz
da atenção à direção
que teu puro fascínio
veloz deve seguir.
Ah! míopes olhos
que se perdem todos
tolos e medíocres
em seus espólios
que nada valem.
Ainda que do vexame
escapassem ilesos
indefesos se tornariam
se em conta levassem
que se finda o exame.
                        02/10/04

domingo, 8 de abril de 2012

O VIAJANTE


Faço viagens constantes ao país dos sonhos
onde tudo é belo e estranhamente ideal
desconcertantemente irreal como moscas volantes
ou panteras aladas em brumas envoltas.
Sigo atravessando pontes de madeira
de cidadezinhas mineiras me chamando
pontes de madeira tão antiga quanto se possa saber
em cidadezinhas sossegadamente mineiras
cheirando queijo e leite fresco e terra de montanha
pontes de madeira ou concreto armado e tijolinhos de barro 
que cruzam rios e córgos lerdos, errando entre pedras
tranquilamente mineiros nascendo e fugindo
eternamente nas matas em Serra da Mantiqueira.
Faço viagens constantes ao país dos sonhos
tantas que já tenho até cidadania nele
e onde cogito sério fixar definitiva residência.
Sou recebido por colibris e tucanos e peixes dourados nadando
no ar como se houvessem brincar
de inverter o sentido correto na ordem natural das coisas.
Faço viagens constantes ao país dos sonhos
e muitos vezes me perco em fronteiras confusas
não sabendo se o que hora vejo é real ou imaginário
e titubeando indefinidamente entre escolhas tristes
como o optar pela fuga ao invés de pelo concreto.
O concreto às vezes pode ser mais fantasioso
mas a beleza ultimamente não tem sido muito lúcida
e todas as pessoas precisam e merecem um refúgio.
Fiz de minh’alma meu refúgio insólito e voraz, extremamente 
agressivo com os que ousam
penetrá-lo sem convite ou compromisso de lealdade.
Porém tudo serve apenas para defender
esta terra sagrada de belezas impensáveis
também impalpáveis, mas não tomo em conta
visto conseguem me proteger e agasalhar-me o espírito.
Faço viagens constantes ao país dos sonhos
e tento encontrar em investigações amadoras
a razão honesta de um modelo que se fará
o único completo ainda que em brumas envolto.
                                                               22/04/05

della Rosa 
Intimação

- Você deve calar urgentemente
as lembranças bobocas de menino.
- Impossível. Eu conto o meu presente.
Com volúpia voltei a ser menino.

Carlos Drummond de Andrade
 
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