Paixão Lusitana:
Sensualidade Na Poesia
A sensualidade na
poesia portuguesa ainda é tratada com alguma timidez. Distinta da poesia
erótica, mais ousada e manifestamente acalentada, oposta à poesia popular
brejeira, a qual passa de boca em boca entre os fervorosos adeptos, os poemas
de sensualidade subtil quase que se deixam ficar na sombra. Como algumas
mulheres tão bem sabem (homens também) no gesto sensual trata-se de levantar a
ponta do véu, insinuar, provocar a beleza, criar a imagem de uma esteira de
pétalas brancas em vez de remeter o momento poético para sedas encarnadas. Elegante,
requintada, a poesia sensual é plenamente conseguida e digna do maior aplauso
quando as palavras criam tal imagem. Contudo, dos lábios que sorriem
timidamente quando a lêem, não saem comentários tão facilmente como com outro
género de poesia. Recato lusitano? Talvez ...
Tenho o maior
prazer em trazer Beijo a beijo, de
Rosa Lobato Faria, Vou tentar descobrir a suavidade das sedas no céu da boca,
de Élia Morais de Araújo e Ternura de
David Mourão Ferreira.
Beijo a Beijo
E de novo a armadilha dos abraços.
E de novo o enredo das delícias.
O rouco da garganta, os pés
descalços
a pele alucinada de carícias.
As preces, os segredos, as risadas
no altar esplendoroso das ofertas.
De novo beijo a beijo as madrugadas
de novo seio a seio as descobertas.
Alcandorada
no teu corpo imenso
teço um colar de gritos e silêncios
a ecoar no som dos precipícios.
E tudo o que me dás eu te devolvo.
E fazemos de novo, sempre novo
o amor total dos deuses e dos
bichos.
Rosa Lobato Faria, in 'Dispersos'
Vou tentar descobrir
a suavidade das sedas no céu da boca.
Move-se
o mistério dessa voz irresistível
a trincadela deliciosa
curiosa
destemida!
o charme...
um sismo que arde
nos lábios
dois dedos
e uma tulipa rubra
quase negra
como o desejo
que se lê
louco
aromático
impaciente!
Élia Morais Araújo
Ternura
Desvio dos teus ombros o lençol,
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do sol,
quando depois do sol não vem mais
nada...
Olho a roupa no chão: que
tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio...
Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou
vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda
sorrindo...
Mas ninguém sonha a pressa com que
nós
a despimos assim que estamos sós!
David Mourão-Ferreira, in "Infinito Pessoal"
_
_
0 comentários:
Postar um comentário