Poeta Disfarçado
Chegou a hora de nomeá-lo e como considerado o mais criativo da casa, fui incumbido disto. Primeiro passei a chamá-lo de Gato. Mas minha irmã após boas risadas e me chamar de Senhor Óbvio, me obrigou a trocar o nome do bichinho. Para honrar a função de mais criativo da casa, escolhi batizá-lo como Poeta. A juíza da casa, minha irmã, dissera que esse nome até era legalzinho pra ele. E assim ficou. Poeta. E havia alma em seus olhos. Ele sem dúvida era um poeta. E não era um poeta só por haver alma em seus olhos. Incontáveis vezes o flagrei com um sorriso irônico como quem acaba de completar um verso com uma palavra que se encaixara perfeitamente na ultima frase. Ele fazia poesia; e das boas. Aquelas que não precisam de palavras. Aquelas poesias mudas. Ele era, certamente, um poeta disfarçado.
Ele era um gato fugido. Descobrimos que os verdadeiros donos do gato eram os vizinhos da frente. A patroa da minha vizinha (que conforme citado pela vizinha era uma madame muito rica) havia dado o gato a ela. Só que o gato fugira e eles não queriam se dar o trabalho de procurá-lo. Ao devolvermos o gato, ela agradeceu. Porém dias depois o gato voltou pra nossa casa. Ao devolver novamente, ela dissera que: já que o gato insistira tanto em ficar conosco, podíamos tê-lo. Não gostei do termo. "Não somos nós que temos o Poeta; é ele que nos tem’’ - a corrigi mentalmente. Portanto, o gato era, definitivamente nosso. Aliás, nós éramos definitivamente dele.
Ter um gato em casa como um bom e velho amigo, me fazia lembrar do Mickey, que era um gato que eu tive na minha infância. O Mickey era tão irônico quanto o nome. Ele era um gato com nome de um rato. Talvez ele sumira por puro descuido de querer procurar o rato que era ele mesmo. Eu amava o Mickey, tinha certeza disso; mas ele de uma noite pra outra, sumiu. Ou se achou. O procurei por toda a quadra mas nunca o encontrei. Sofri a perda de um dos meus melhores amigos. Mas ali estava, espichado no sofá, o Poeta. O meu novo amigo que, de tão sereno, me incitava a também ficar. E era um jogo de quem ficaria mais sério. Um jogo de quem rir perde. Eu nunca ganhava. Ele nascera para aquele jogo, só pode!
Da mesma forma que o Mickey sumiu, eu receava que o Poeta também o fizesse. Eu tinha medo de perdê-lo. Sempre tive medo das perdas. E eu chegava a chorar pelas perdas que ainda nem haviam acontecido, que talvez nunca acontecessem; mesmo assim eu chorava. E eu chorei pelo Poeta certa tarde. Ele havia sumido.
E foi por toda a semana que eu fiquei triste. Eu pensava no Poeta constantemente. Queria esquecê-lo, queria que ele deixasse de existir. Mas tinha medo que isso acontecesse, que fosse verdade. Tinha medo que ele realmente deixasse de existir. Então parei de pensar assim. Eu o esperava de braços abertos.
Com a volta do Poeta tudo ficou mais suportável. O marasmo de domingo não deixou de ser marasmo, mas com ele chega a ser mais que um dia de tédio. E quando estou deitado no sofá assistindo algum filme, sem que eu o chame ele se deita ao meu lado. Cheio de pose. Como um renomado crítico de cinema pronto a dar sua opinião sobre a atuação de Tom Hanks. E dava. Meneava a cabeça como quem aprovara a atuação.
Não sei quantas vidas o Poeta já perdera. Tampouco sei quantas viveu. O que sei, é que, se eu pudesse, o faria viver mais do que apenas sete.
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