domingo, 17 de maio de 2015

A MORTE DE JOÃO ALMEIDA

O primo religioso: infelizmente é uma grande perda. Embora neste momento João esteja no paraíso, junto a Alah. Que sorte a dele. Já deve estar desfrutando das sete virgens que o esperavam.

O legista: João Almeida, 62 (sessenta e dois) anos, 1.70 (um e setenta) de altura, pesando 84 (oitenta e quatro) quilos. Veio a óbito às 10:47 (dez e quarenta e sete) aproximadamente. A causa da morte ainda é incerta. Embora eu tenha encontrado um rompimento na Aorta, o que indica que pode ter ocorrido um ataque em seu miocárdio catastrófico. João tem histórico de dois Acidentes Vasculares Cerebrais. A família ainda não se pronunciou quanto à doação de algum órgão. O laudo com o resultado da causa da morte sai em quinze dias.

O amigo filósofo: foi-se a vida. Que tem por destino predeterminado: a ida. Viver é uma loucura. Mas e morrer, também não o é? Se há loucura na própria loucura, quão bom é viver. E se viver é bom, porque não o é morrer? Há injustiça até no fim. Na morte. O descontrole fere até os que já se foram. Há dignidade na morte! A vida é só contexto do que vem e pretexto do que foi. Grande João Almeida. Descanse em paz. O problema é que a paz não existe...

O jornalista: muito boa tarde! Faleceu nesta manhã o criminoso chamado João Almeida. Vizinhos afirmam que o homem tinha envolvimento com drogas. Testemunhas dizem que João estava sentado em sua cadeira, na calçada, quando um carro preto se aproximou e disparou três tiros. A polícia ainda investiga o caso e diz que não descarta a hipótese de acerto de contas. Ou seja, esta é uma boa notícia para os cidadãos brasilienses. Menos um traficante no mundo! De Bruno Schimmith para a redação da Globo.

O sobrinho poeta:

Desfez-se a vida
Fez-se a morte.
Por sorte ou azar,
João desatinou-se em partida.
Ida sem volta,
João agora é barco sem mar.

A polícia: não encontramos no corpo nenhum indício de assassinato ou suicídio. Não há marcas ou perfurações no corpo. O que descarta a hipótese de tiros ou facadas. Acreditamos firmemente na hipótese de um ataque cardíaco. Isso só a perícia vai dizer.

O vizinho escritor: sentado em sua cadeira de balanço, de carvalho branco, que havia tomado por herança de seu falecido pai, que tomou por herança do falecido avô, estava João de Almeida. Em seu pensamento, perguntava-se do porquê de não se balançar. Logo se lembrara do fatídico motivo: a dor que vinha sentindo há semanas, se alastrara. O impedindo de movimentar-se brusca e continuamente. Uma brisa suave atravessou-lhe o rosto e o fez desviar-se dos seus pensamentos. De imediato, pensou em Flora. O amor de sua vida. Quanta coisa boa vivera com Flora! O câncer a arrancara dele. E João Almeida, que no coração só tinha Flora, perdera ela e o mundo. Perdera também a esperança e a paz. Perdera tudo, o pobre João. Quão miserável tornou-se! De repente, sentira uma leve pontada em seu coração. O que o fez levar a mão direita ao peito esquerdo. A dor desfez-se. Mas poucos segundos depois, retornou com intensidade dobrada. Nem tempo deu ao pobre João pra levar de novo a inútil mão ao peito. Como se o gesto pudesse acabar com a dor. Como se o gesto trouxesse Flora pra perto dele. Flora... Só deu tempo de pensar em Flora. O ar cessou. Os pulmões e o cérebro clamaram por oxigênio. Entendeu que o peito que doía, não era só por presença da morte. Mas por ausência de Flora. Entregou-se às duas que o esperava: à Flora e à Morte. Faleceu sorrindo. Foi-se João Almeida.

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4 comentários:

Igor Dresjan disse...

Voces tem algum contato para conversar?

Olhar de Isa disse...

Olá. Ao acaso te encontrei nas andanças virtuais atrás de letras belas. Gostei destes escritos. Sobre o último que li (o mais recente) acho interessante essa coisa de que as verdades podem aparecer por diferentes prismas.

Unknown disse...

Parabéns! O texto bem redigido mostrando as várias formas da morte de um anônimo de acordo com as pespectivas de quem vê.

Unknown disse...

Uma vida qualquer e o desfecho visto de tantas formas. Gostei mesmo!!

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