domingo, 3 de maio de 2015

Flor-de-Novembro 
Parte III - Trabalho
Quando Juliana largou a escola para trabalhar a mãe não reclamou muito. Ela nem sequer sabia como lidar com a filha. Ademais, uma ajuda financeira seria muito útil. O primeiro trabalho foi como auxiliar de uma costureira. Não deu muito certo. Juliana até levava jeito com os tecidos, mas não com as pessoas. E a costureira, mulher muito vaidosa, pôs-se a querer mudar as roupas andróginas de Juliana. Era como se ela ouvisse atrás de si a voz de Carolina, decretando: Maria João.

Depois arrumou trabalho como entregadora de jornal. Assim como os meninos, fazia as entregas ainda no começo da manhã, o que lhe dava tempo para alguma outra ocupação. Havia um lava - rápido num posto próximo, de modo que conseguiu uma colocação para o período vespertino. Era muito esforçada. Porém, passado pouco tempo, o lava - rápido fechou e ela não conseguiu outra vaga. Com bastante tempo livre, começou a permanecer no escritório do jornal. Após as entregas, quando todos os meninos iam embora, Juliana ficava ajudando aqui e ali, organizando pilhas de papel, varrendo o chão, enfim, fazendo qualquer coisa necessária, mesmo sem ganhar nada para isso. Preferia ficar ali e sentir-se útil a ficar sozinha em casa, remoendo suas feiura e esquisitice. O dono do jornal, que era também o editor-chefe, o fotógrafo, o repórter e assim por diante, acabou por ficar sensibilizado com o esforço da guria, além de que, é claro, precisava de toda a ajuda possível. Assim, contratou-a como “office-girl”. Então, após entregar a sua quota de jornais, continuava a fazer um pouco de tudo, mas agora recebia um salário para isso. Ainda que pouco, era útil.
Pela primeira vez, parecia que a vida tomava um rumo bom. O patrão até cogitava lhe pagar um curso de especialização. Desde que voltasse a estudar. Ela não gostou nada da ideia; ficou a cozinhar o chefe em banho-maria e continuou seu trabalho. Absorta nele, Juliana quase apagara de seu coração a dor excruciante de não ter mais a esperança de ser mãe. Quase. Tudo ia razoavelmente bem, até que...

Assim, sem mais nem menos, a secretária começou a reclamar de Juliana. Dizia que ela não parecia uma moça e que sua imagem não condizia com a do jornal. Talvez se ela mudasse suas roupas...
Juliana não suportou muito. Olhava para a secretária e via Carolina apontando-lhe o dedo: – Maria João. Logo perdeu o interesse pelo trabalho e um dia não apareceu mais, nem mesmo para receber seu último salário. O chefe chegou a ir à sua casa pedir que ela voltasse. Qual nada! Juliana era também de gênio forte. Irredutível, recusou-se terminantemente. O assunto do vestuário era tema por demais delicado para ela. Soube-se mais tarde que a secretária saía com o chefe. De algum modo, sentiu-se ameaçada pela garota de cabelos curtos que se vestia como homem.

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Veja a primeira parte desta história aqui
Veja a segunda parte desta história aqui

Créditos das imagens: costureira: Luiz Curcino   /   jornais: internet

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