terça-feira, 16 de abril de 2013


Neste momento em que o mundo está mais uma vez mergulhado no caos, na dor e no horror do terrorismo, é melhor lembrarmos do velho mestre Drummond:



Entreato de Paz

As partes conflitantes decidiram
suspender a matança
e por entre ruínas e cadáveres
instaurar a esperança.

A morte, agradecida, pisca um olho
– "Era um trabalho louco
ceifar de ponta a ponta essa Indochina..."
Vai descansar um pouco?

Em vinte e três artigos e parágrafos
a sorte se resolve,
mas quem morreu sem culpa e sem aviso
esse nunca mais volve.

Neuróticos, descrentes, mutilados
– firma-se o protocolo –
volvem, de saldo, os prisioneiros: medra
medrosa flor, no solo.

Fraca se torna a força mais turuna,
incapaz a granada
de repetir efeitos conclusivos:
recolhe-se empatada.

A guerra não é mais aquela forma
de consertar o mundo
ao nosso estilo ou vista filosófica
ou apetite fundo?

Alguma coisa mais existe, e barra
a fúria belicista;
Uma coisa sem nome definido,
poder que não se avista.

E essa coisa ressurge quando a bomba
parecia extingui-la
e ninguém lhe destrói a coice d'armas
a essência tranqüila.

A guerra perde a guerra, e a vida ganha
direito de viver
Mas amanhã revive a velha história:
matar para vencer?

Este round, viva a vida! nós ganhamos
Contra o poder da morte.
A paz, de asas feridas, tão mais débil,
revela-se a mais forte.

Uma lição se colhe de tudo isto,
ou nenhuma lição:
alcançará o homem, bicho estranho,
ser de si mesmo, irmão?


Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 11 de abril de 2013

quarta-feira, 3 de abril de 2013


Hoje é terça-feira. Ou era. A esta altura já não sei ao certo que dia é. Eu deveria tentar dormir, mas sei que não vou conseguir se não tirar esse sentimento de dentro de mim. Então aqui vai.
Descobri que a bola da vez é um tal de Nicholas Sparks. O nome me diz tanto, que tive de recorrer ao Google para não errar a grafia. Mas como eu não sou referência para nada mesmo, fique à vontade para rir de minha ignorância. Estavam, minha família e eu a passear por um shopping da cidade vizinha. No primeiro piso, logo à saída da escada rolante há esta livraria, muito bonita, diga-se de passagem. A entrada fica ao centro. Na vitrine, ao lado direito, toda sorte de bugigangas que infestam estas lojas: chaveiros, porta-retratos, enfeites de mesa, pesos de papel, lanternas, isqueiros, miniaturas de automóveis e aviões e et coetera. Chama a atenção a quantidade de armas brancas, de punhais a espadas. Na prateleira de baixo, domina o cenário um grande narguilé, cercado por outros menores. Confesso que como toda minha família estava a apreciar as mil e uma bugigangas, também preferi examiná-las, do contrário não poderia agora lhe descrever a paisagem. Ao entrar na livraria dá-se de cara com posters moldurados com todo tipo de imagens da cultura anglo-americana, de coleção de guitarras e Rolling Stones a Homer Simpson. Até aí, nada de diferente de quase qualquer outra loja do gênero. Se você tiver tempo, é possível se perder por horas na pequena livraria entre tantos e tantos artigos, muito interessantes em sua maioria, e na outra maioria completamente inúteis. Não dê risada, nem ache que me confundi: há duas ou mais maiorias; depende dos olhos de quem as vê e as conta. Mas, ao lado esquerdo da vitrine e também do interior da loja há uma peculiaridade: existem, deste lado, livros.
Fui recebido com generosos sorrisos pelas vendedoras, até que uma delas, grávida por sinal, inquiriu-me se podia me ajudar.
– Só estou dando uma olhada – respondi-lhe, mas emendei em seguida – você tem uma seção de poesia?
– De quê? – perguntou a moça, quase assustada.
– De poesia. – respondi com firmeza, a esta hora já acreditanto que ela não sabia que tipo de bicho era aquele.
– Não. De poesia, não.
– E o que é que você tem de poesia?
Ela foi caminhando para o lado esquerdo da loja, como que me conduzindo para lá, porém visilvelmente perturbada.
– De poesia, eu só tinha alguma coisa de Fernando Pessoa, mas acho que já acabou... – respondeu-me enquanto tateava por uma prateleira.
Fiquei calado, esperando que ela procurarasse entre os livros. Meu filhinho, que estava comigo, começava a puxar-me a mão, querendo ver isso e aquilo.
– Você não tem nada de Drummond?
– Não.
Ela continuou procurando Pessoa por mais alguns instantes e depois admitiu:
– É... não tenho nada...
Assenti com a cabeça, e completamente contrariado balbuciei um “obrigado”. Ainda um tanto descrente com a resposta da moça, fiquei meio sem ação e continuei por ali, a pesquisar afinal, o que é que havia naquela livraria onde não se encontra um livro de Drummond. Achei um ou dois livros de Clarice Lispector, um Paulo Coelho, enfim... Vendo que eu não arredara pé, a moça pôs-se de novo a pesquisar sua prateleira, e de lá me saiu com um fóssil raro, uma pepita de ouro, ou qualquer outra símile que você queira usar, e que denote quão difícil foi encontrá-lo:
– Olha... de Fernando Pessoa eu tenho este aqui...
Tomei a raridade de sua mão. Era um cancioneiro do grande poeta. Agradeci-lhe a gentileza e devolvi o livro à prateleira. Permaneci ali mais alguns intantes e acho que só então percebi o modelo de seperação de gêneros adotado pela livraria: nas duas primeiras prateleiras estavam os “autores internacionais”. Em seguida, uma para os “autores nacionais”, seguida por uma de “religiosos” em que abundavam Marcelo Rossi e Edir Macedo, e outra de “infanto-juvenil”. Demais, eram os livros espalhado por mostruários e stands.
Ainda não havia saído da loja quando ouvi uma voz feminina solicitando a ajuda da mesma vendedora:
– Eu tô procurando um livro de um filósofo alemão, mas eu não sei o nome. Acho que é best seller. Começa com N.
A pobre vendedora ficou ainda mais perdida. Aquilo só veio reforçar a sensação de que eu já tinha sentido, de que ela jamais lera qualquer livro. Permaneceu a moça a perguntar pelo tal filósofo alemão que era best seller, a única informação que sabia, e que se visse saberia qual era. Permaneceu a vendedora atônita, sem saber o que responder. Pela insistência e pelo modo apressado de falar, pareceu-me que a moça que procurava o filósofo alemão era alguma estudante de ginásio, se é que ainda se usa este termo, que deveria ter sido castigada com algum trabalho maçante e difícil.
Como já não havia o que eu fazer ali, tomei a mão de meu filhinho, e virei-me para sair da loja. Ao me virar, dei de cara com uma moça muito bem vestida, que aparentava mais idade que eu supus, olhando angustiadamente as prateleiras e mostruários em busca do “Nis” alguma coisa. Então, tive compaixão e resolvi auxiliá-las:
– É Nietzsche.
– É Nietzsche? - perguntaram ambas.
Respondi, fazendo um gesto de lógica com minha mão livre:
– Filósofo alemão: Nietzsche – e me encaminhei para sair.
– É isso mesmo!  exclamou a moça.
Não ouvi um obrigado, de nenhuma delas. Mas antes de sair, ouvi a vendedora dizer:
– Nietzsche não tem.
Não quero parecer arrogante, ou ostentar cultura que não tenho. Nunca li Nietzsche. Mas, daí a não saber identificar o grande filósofo alemão...
Minha esposa e minhas filhas, do lado de fora, ainda olhavam as bugigangas. Decidimos tomar um sorvete.
O tal episódio talvez passasse batido, talvez não virasse uma crônica, mas foi ali, na mesa da praça de alimentação que eu me toquei de uma coisa: eu acabara de sair de uma loja de departamentos, onde no setor de livros encontrei de tudo, menos um grande autor brasileiro que fosse. Poesia, muito menos. E também me lembrei, que semana passada, visitando outro shopping, havia uma feira de livros, onde minha esposa e eu entramos. Depois de percorrer uma extensa quantidade de títulos, encontrei no canto mais apagado e de difícil acesso, três ou quatro de poesia: uns dois de Gonçalves Dias, outros dois de Fernando Pessoa. Acho que havia um de Augusto dos Anjos, mas não lembro com certeza. Drummond, Mário de Andrade, Olavo Bilac... nem pensar. Nem mesmo Paulo Leminski. Comprei dois, um de cada, para que meus poetas não ficassem enciumados entre si. Hei de mencionar que eram os livros mais baratos da feira. Minha esposa comprou um livro de artes, que pagaria, acredito, todos os títulos de poesia disponíveis e talvez ainda me sobrasse um café. Ao passar pelo caixa, ainda fizemos piada com as moças, perguntando pelos livros dos novos poetas. Uma até disse algumas palavras solícitas, mas a outra me olhou como se eu estivesse assaltando a livraria. Também me lembrei que em uma recente conversa, um amigo meu revelou-me possuir a coleção quase completa de Agatha Christie. Depois de lê-la sei lá quantas vezes, agora ele estava empenhado em fazê-lo em ordem cronológica. Perguntei-lhe se ele já havia lido um único livro de Drummond. Preciso dizer qual foi sua resposta? E ainda me lembrei de que tive o disparate de perguntar a um poeta que conheci recentemente no Sarau Literário de Campinas se encontraria seus livros nas livrarias.
– Gente como nós não tem espaço nas livrarias. Cada um divulga seu trabalho praticamente de boca a boca.
Agora, saboreando a minha casquinha, tudo isso se ajuntou. Achei que seria mais fácil procurar por Drummond na França. Também, achei melhor ir vender shampoo. Afinal, que esperança nos há, em um país em que não se pode encontrar numa livraria um único livro de seu maior poeta recente, também considerado um dos maiores do mundo? Meus comentários despertaram um olhar de estranheza da senhora que ocupava a mesa ao lado e nela se ocupava de seu lanche. Olhou-me de lado, como se eu fosse um barraqueiro procurando encrenca. Naquele instante, a poesia me pareceu pornográfica. Senti até uma certa vergonha de gostar e de tentar ser poeta.
E onde é que entra o tal Sparks nesta longa conversa?
Pois bem, após a casquinha filosófica, minha esposa levou as crianças ao banheiro e eu, que fiquei por ali aguardando, ainda meio tonto da pancada da realidade, tornei a enveredar-me pela vitrine da livraria, mas desta vez, pelo lado esquerdo. E foi aí que observei, entre destacadas biografias de Mick Jagger, Michael Jackson e Lady Gaga, os livros deste tal Nicholas Sparks. Eram pilhas e mais pilhas, e uma variedade de títulos: “Querido John”, “O Milagre”, “Um Homem de Sorte” para citar apenas os que lembro. Que não me crucifique nenhum fã do sr Sparks. Não posso tecer opinião sobre ele, posto que até o dia de hoje, desconhecia sua existência. Eu devo ser o único do planeta, uma vez que seus livros enormes, de capas belamente ilustradas ostentavam selos de “75 milhões de exemplares vendidos em todo o mundo”. O que me causou náuseas foi atentar para a realidade que também na literatura, já fomos colonizados.
O ofício do poeta nunca foi dos mais fáceis e jamais foi bem remunerado. Mas já foi, ao menos, respeitado. Se você quiser saber, eu procurava por “Discurso de Primavera e Algumas Sombras”, que li já há muitos anos. Não que isso tenha qualquer importância para esta história. Mas é que acho que no Brasil, dos nossos gênios literários, não restaram sequer as sombras, quanto mais os discursos de qualquer estação. Imagine de Nietzsche.



 
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