sábado, 9 de junho de 2012

O que incluir no poema para lhe dar
a forma desejada e sonhada com carinho
tão zeloso que beira a obsessão?

O que incluir no poema para que ele
se torne digno de ser lido e relido
copiado à mão por idealizadores românticos
entregue em forma de bilhete a apaixonados
por outros apaixonados que lhe roubem a autoria
digno de ser estudado e dissecado em análises
rítmicas, sintáticas, morfológicas, métricas, estruturais
por gramáticos e literários que lhe torçam o nariz
(não importa porque já seria realização suficiente
tomarem de seu tempo para notar que dissemos algo)
e quem sabe até figurar em coletânea de novos talentos?

O que incluir no poema, nós que por certo
nascemos no século errado, conformados já
ou não com a decepção de não ter nada a dizer
que já não tenha sido melhor expresso, composto
pelos que sabiam “eternizar a vida breve em arte”*?

O que incluir no poema, agora que a poesia morreu
e a palavra não possui a mesma força de outrora
e surgiram televisão e salas de bate papo on line
num tempo sem brilho além dos das vidraças
de escritórios intermináveis na Francisco Glicério
um tempo em que a graça das coisas esvaiu-se
restando apenas o cinza antipoético do concreto
e as pessoas não mais fazem viagens ao país dos sonhos
e não têm tempo nem interesse em ler poesias e romances
porque já não há mais nenhuma ingenuidade no mundo?

O que incluir no poema como ferramenta estética
nós, singelos operários sem carteira da palavra
proletários de poesia rústica, mal acabada
como havemos contornar o suplício de transcrever
em bela forma a amargura n’alma ressecada
como havemos disfarçar a ardente metalurgia
de produzir rimas menos que pobres, paupérrimas
para serem consumidas apenas por nós mesmos?

O que incluir no poema, que ingredientes usar
a fim de torná-lo atraente também a outros olhos
os olores de flores da primavera febril surgindo
pores-do-sol em horizontes sempre longínquos
a meia luz do abajur cortando a escuridão
quase palpável da noite mais negra, gotejando luz
como uma fonte reticente de idéias e desejos
escadas, pontes de madeira em cidades mineiras
anjos e fadas ou marcianos d’outra galáxia
casas amarelas com peixinhos azuis-celeste
paixões ardentes adolescentes salpicadas de perfeição
a inquietação juvenil arrogante, julgando-se capaz
de movimentos que transformarão o mundo
musas inspiradoras de formas perfeitas e almas límpidas
o ódio visceral, a morte abrupta, causticante
maravilhas mil de um Brasil antagônico
o que, afinal, incluir no poema?

Como fabricar o poema, produzir algo novo
vibrante, cheio de vida, detalhes e sentido
e não apenas plagiar e plagiar anjos e bandeiras
como ser mais que uma banda de rock pós anos oitenta
e na experiência da tentativa não ficar com cara
de grupo de pagode da estação passada?


Fechou-se a porta. A velha fábrica faliu.
Hoje apenas a industrializada produção em massa
de enlatados insípidos a serem consumidos em fast foods
nada que lembre a sutil delicadeza dos feitos à mão
de um séc’lo em que se espremendo forte a alma
retirava-se néctar a ser degustado prazerosamente.

24/04/05

*A Música da Terra – Carlos Drummond de Andrade

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